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segunda-feira, 16 de setembro de 2024

ESPERANÇA NA POLÍTICA



" Meus amigos concluíram que eu estava com com a alma doente, deprimida, precisando, talvez, do auxílio de um psiquiatra.

Tranquilizem-se. De fato perdi as esperanças. Mas não por ter ficado deprimido. Perdi as esperanças no momento em que me decidi a acreditar naquilo que os meus olhos têm estado a me dizer pela vida afora.

A perda da esperança pode ser um momento de lucidez.

Poucos se dão conta de que, por vezes, é preciso perder as esperanças a fim de voltar a viver. Perder a esperança é ter a coragem para reconhecer que o que está morto realmente morreu.

E, com os mortos, só existe uma coisa a ser feita: que sejam enterrados.

Enquanto os mortos não são enterrados, a vida fica paralisada, á espera. Uma vez enterrados, perdidas as ilusões, voltamos dos cemitérios para a vida. É preciso que os mortos sejam enterrados para que os vivos tenham permissão de viver.

Perdi a esperança: enterrei a política oficial, essa dos partidos, dos comícios, das carreatas, das promessas, do "tudo isso te darei se votares em mim"

Política é caçada. Políticos são caçadores cuja presa é o poder. Mas todo o caçador sabe que o segredo da caçada depende da capacidade de ocultar, dissimular, enganar. Põe, nas armadilhas escondidas, as iscas mais apetitosas. Preparam-se as armadilhas...jogam-se as iscas: todos sem exceção, são iguais em seu discurso - falam as mesmas coisas, as que são sempre faladas.

Foi esse cheiro de engano, essencial à caçada do poder, que perturba o meu nariz, revolve a meu estômago, que me convenceu que algo estava em decomposição. E se algo está apodrecendo, passou da hora da esperança e chegou a hora do enterro.

A conclusão me parece inevitável: não é razoável ter esperanças de que, de tais cisternas de água suja, água boa de beber, venha a correr.

Tranquilizem-se os meus amigos. Não estou deprimido - o que me deprimia era a lenta agonia. Mas agora que enterrei o defunto, passado os dias de luto, estou em paz comigo mesmo e posso dedicar-me às coisas que julgo merecedoras do meu amor. Perdida uma esperança, outra nasce em seu lugar. Como o capim que brota sob a primeira chuva, depois da devastação da queimada. "

Rubem Alves

Blog: Ao contrário do grande escritor Rubem Alves, a minha esperança ainda segue viva. Meio que cambaleante, mas viva.

Viver é Perigoso

2 comentários:

Anônimo disse...

Somos donos dos nossos atos
mas não donos dos nossos sentimentos.
Somos culpados pelo que fazemos
mas não pelo que sentimos.
Podemos prometer atos,
mas não podemos prometer sentimentos.
Atos são pássaros engaiolados.
Sentimentos são pássaros em voo.
Rubem Alves

Anônimo disse...

Esperança com os esquerdistas dominando?
Esquece.
Zé fini....