Estudo revela oito milhões de novas variantes genéticas.
Costuma-se dizer que o passaporte brasileiro é o mais cobiçado entre os falsificadores porque qualquer cidadão do mundo pode se passar por brasileiro: da pele morena de Pelé à pele germânica de Gisele Bündchen, passando pelos olhos puxados de centenas de comunidades indígenas.
A mistura de populações nativas, primeiros colonos, africanos escravizados e ondas de imigrantes europeus nos séculos XIX e XX criou uma sociedade mestiça com enorme diversidade genética, mas que tem sido pouco pesquisada.
O Brasil, com seus mais de 200 milhões de habitantes, é resultado de alguns dos movimentos populacionais mais profundos da história: aos dez milhões de indígenas que viviam em seu território na época da colonização portuguesa juntaram-se cinco milhões de africanos escravizados trazidos para lá à força. Mais tarde, entre os séculos XIX e XX, as autoridades incentivaram a imigração europeia. Cerca de cinco milhões de italianos, alemães e espanhóis, em particular, se estabeleceram no sul e sudeste do Brasil. Também houve fortes ondas de emigrantes do Líbano, Síria e Japão (São Paulo abriga a maior colônia de descendentes de japoneses do mundo).
Ao longo da história, a miscigenação racial tem sido descrita como o maior atributo da "brasilidade" e deu origem a mitos de que o Brasil era um país de "democracia racial", onde as três raças (negra, branca e indígena) conviviam em paz e harmonia. Embora não seja o foco central do estudo, as descobertas da equipe que trabalhou nele ajudam a desmantelar essa ideia e revelam até que ponto esse cruzamento foi, por muito tempo, resultado da violência.
Por exemplo, a grande maioria das linhagens do cromossomo Y (masculino) são de origem europeia (71%), enquanto a maioria das linhagens mitocondriais (feminino) são de origem africana (42%) ou indígena (35%). "Esse padrão é provavelmente o resultado de uma união assimétrica histórica entre homens europeus e mulheres indígenas e africanas", diz o estudo, referindo-se ao estupro de mulheres dessas comunidades pelos colonizadores e à maior taxa de mortalidade entre homens escravizados e indígenas.
Agora, um estudo publicado na revista Science por uma equipe de cientistas brasileiros descobriu mais de 8,7 milhões de variantes genéticas até então não documentadas, das quais mais de 30.000 podem afetar a saúde da população.
Uma das autoras do estudo, a renomada geneticista Lygia V. Pereira, da Universidade de São Paulo, explicou que o estudo preenche uma lacuna na área da genética, onde predominam dados sobre populações brancas europeias. Diz ela: “O fato de estarmos sequenciando os genomas de uma população com muitos ancestrais africanos e alguns indígenas é o que nos permite descrever milhões de variantes genéticas que ainda não foram descritas no mundo”.
O estudo faz parte do programa Genomas Brasil, lançado pelo Ministério da Saúde há cinco anos com o objetivo de sequenciar os genomas completos de 100 mil brasileiros. O objetivo a longo prazo é implementar a chamada medicina de precisão na saúde pública, para selecionar tratamentos mais seguros e eficazes e detectar precocemente a probabilidade de desenvolver certas doenças.
El País
Viver é Perigoso