Antes que me torne um eremita completo, ocuparei este espaço para falar e discutir um pouco, com simplicidade, sobre a vida, com suas alegrias e tristezas. Pode ser que acabe falando comigo mesmo. Neste caso, pelo menos prevalecerá a minha opinião.
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terça-feira, 8 de junho de 2010
CONTA GOTAS
A ONÉSIMA EXPLICAÇÃO SOBRE O DOSSIÊ
DIA DOS DESNAMORADOS
DIA DOS DESNAMORADOS
A palavra não existe, mas existem as pessoas que se encaixam nela. Desnamorar é fazer os movimentos contrários aos que fazemos para namorar. É um processo, um desenrolar- se, um movimento para acrescentar a cada dia uma pedra na construção de uma barreira — sim, o desnamoro é uma construção.
Se namorar é a desconstrução do outro, no sentido de desmontar defesas pouco a pouco, descobrir e desativar resistências, abalar certezas e hábitos, desconectar antigas cumplicidades, minar a independência, desnamorar é uma construção. De um muro, ou de uma torre.
Muro é boa imagem, porque separa, põe limites, marca território. Torre talvez seja ainda melhor, mais completa, porque isola e coloca no alto, torna mais difícil alcançar quem desnamora.
Para desnamorar, é fundamental a colaboração entre os parceiros, ainda que de um lado a ajuda possa ser involuntária ou passiva. É preciso desleixo, descuido, falta, decepção. Entre os movimentos contrários aos que os parceiros fizeram para namorar, os mais importantes são os contrários à sedução. Nem precisa ter pressa, é ir parando aos poucos de seduzir.
Muitas vezes o casal não sabe que está desnamorando, é mais certo dizer que um deles não sabe, mas pode acontecer de os dois não saberem.
Um namoro é sustentado por pequenas ações charmosas; ao contrário, gestos pequenos de indiferença arquitetam o desnamoro. Beijinhos, presentinhos, bombons de cereja, mensagens no celular, declarações, essas coisas do namoro vão sumindo aos poucos.
Nada daquelas atenções mínimas que pareciam loucuras, como sair do carro no meio do trânsito só para dar mais um beijinho, telefonar de madrugada porque bateu uma saudade, levar um osso no aniversário da cachorrinha, nada disso, e muito menos as grandes maluquices de apaixonado, como jogar pétalas de rosas vermelhas de um helicóptero em cima dela, da casa dela, do quarteirão...
É preciso não ter explicações para certas ausências, ou então explicar pela metade, ou mesmo inventar desculpas esfarrapadas só para levantar suspeitas e piorar o clima.
Não reparar no novo corte de cabelo, nas unhas pintadas, na virilha depilada, nos quilos a menos conseguidos com tanto esforço e renúncia, na redução da barriga de cerveja, no tempo dedicado ao futebol, na palavra amor jogada no meio da conversa banal.
É dizer "não tenho" quando falta um dinheiro. Numa balada ou no barzinho, ficar olhando em volta, em vez de ter os olhos grudados como em outros tempos. É o aflorar da rispidez no lugar da gentileza, o não ouvir ou fazer que não ouviu, o bater de portas, o pisar duro, o conversar de perfil, o jantar só, o silêncio no carro, o não deixar bilhetinho, o não procurar, o dormir antes da chegada do outro.
Não ter tempo para ver aquele filme de que todos estão falando. Isolar-se no almoço de domingo na casa da mãe ou da sogra. Não perguntar "quem está ganhando?" ao passar pela sala na hora do futebol, não que interesse, mas como uma forma de dizer "olá, você".
Os que têm filhos ou netos vão se acostumando aos poucos com o desnamoro, porque, ah, tanta coisa para fazer, encontram tantas compensações afetivas com os filhos — e contentam-se, deixam-se levar para esse lado, mesmo quando sabem que é amor de outra qualidade.
Uma coisa que não tem importância para os desnamorados é não ganhar presente no Dia dos Namorados.
Ivan Angelo – Veja São Paulo -Edição 2168 - 09 de junho de 2010.
Texto enviado pelo Humberto Chiaradia
LÁ NA VENDA - NOVAMENTE
Uma venda de tudo
Impulsivo nas compras? Não vá ao Lá da Venda. Não vá. Tudo o que você viu naquela cidadezinha de interior está lá
CONHECI HELOÍSA Bacellar há um bom tempo. Fui à casa dela para um concurso de receitas de fim de ano, nos divertimos à grande na sua cozinha maravilhosa, cheia de todos os badulaques próprios ao métier de cozinheira, advogada, professora de culinária, escritora de livros de cozinha e artesã.
Um azougue, a criatura.
Um dia eu soube que abrira uma venda. Os muito moços, mocíssimos, não sabem o que é uma venda.
"Vai lá na venda, menina, e compra uma lata de óleo na caderneta!"
"Mãe, ganhei uma moeda, posso ir na venda comprar bala de goma e marcar na caderneta?"
Uma empregada levava meu irmão no carrinho e eu de mãos dadas para o parque Trianon. Na volta, passava na venda do seu Manuel e pedia cachaça.
Deixava cair no chão uns pingos para o santo, perguntava se eu queria experimentar e glupt, com um movimento rápido da cabeça para trás, entornava o copinho.
Entenderam o que é uma venda?
Um espaço onde se vende de secos e molhados a brinquedinhos para crianças, bonecas de pano, agulhas, dedais, picolés e pés de moleque. De tudo um pouco, conforme a cabeça do dono, geralmente português.
Na venda do seu Salvador, tinha saco de arroz, em que a gente enfiava a mão até o fundo e sentia um friozinho, bacalhau dependurado na porta e aquelas garrafinhas de chocolate embrulhadas em papel brilhante e colorido com licor dentro.
Pois, então, a Heloísa abriu sua própria venda. Restaurante-venda.
Cheguei lá com fome, ah, não é venda, nada, é estilizada, clara, luminosa, passei reto por um balcão de doces e salgados. Vi bolos e uns sonhos gordos e recheados de creme amarelinho.
O restaurante é o pequeno quintal da casa. Nos muros, dependuradas, latas de óleo, principalmente, com plantinhas caipiras.
Nunca se pode falar da comida se se vai ao lugar uma vez só, mas isso é regra para crítico de comida, que eu não sou. E, além disso, acho que vou comer lá todo dia, porque é comida caseira e gostosa e perto da minha casa. E, principalmente, é quente.
Num dia gelado, a comida estava quente, pelando, queimando a língua. Como não me acontece há muito tempo de queimar a língua com comida quente, fiquei encantada.
Pedi uma carne ensopada, macia, com um bom caldo grosso, que veio acompanhada de arroz, uma salada vistosa e umas tiras de batata-doce.
Finíssimas, fritas. Huuum, delícia.
Almocei bem, minha amiga comeu camarão com chuchu e teríamos mais umas três opções, mais ou menos, na mesma linha.
Mas todo o juízo que você exerceu na escolha do prato voa pela janela quando você volta pelo caminho da venda. Impulsivo nas compras? Não vá ao Lá da Venda. Não vá.
Tudo o que você viu naquela cidadezinha de interior onde passava as férias está lá. Tudo.
Comprei agulhas de fundo largo, xicarazinhas de café de ágata. Bule de café branco, caipira, frigideiras de ferro, bolas de gude, cumbucas, echarpe de pescoço, pó de arroz Lady, goiabada cascão de gavetinha, balas de coco com coco fresco.
Minha amiga saiu com uma cesta de piquenique de palha com dobradiças para abrir ora de um lado, ora de outro. Panos de prato, toalhas bordadas em ponto de haste e uma chaleira de desenho bonito.
Deixei por lá vasos de vidro, lindíssimos, bons para dar de casamento a quem entende-vidro pode ser tão bonito quanto cristal- e alguns livrinhos de cordel. E essência de baunilha orgânica e cheirosa, doces de pêssego em calda.
Pedi farinha e não tinha. (Confundi tudo, achei que estava no seu Salvador.) Mas a moça que me atendia foi delicada. "Ainda não temos", disse ela, frisando o "ainda".
Como se fosse uma grande ideia a se pensar...
ninahorta@uol.com.br
Texto de Nina Horta -Na Folha de São Paulo.
Rack
AS CAMISAS DO SR. MANDELA

Ela forneceu todas as camisas usadas pelo ator Morgan Freeman no filme "Invictus".