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segunda-feira, 23 de setembro de 2024

AQUELES QUE ESTÃO PAGANDO O PATO



Deu no El País

A Argentina do ultra Javier Milei se tornou refúgio para dezenas de bolsonaristas fugitivos da Justiça brasileira. Eles são condenados – ou processados, em alguns casos – pelo ataque golpista às sedes da Presidência, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal em 8 de janeiro de 2023. 

Alguns cruzaram a fronteira de ônibus, outros de carro e até de bicicleta; Há os que fugiram primeiro para o Uruguai e os que chegaram diretamente aqui. Como qualquer visitante brasileiro na Argentina, para entrar bastava apresentar o documento de identidade na Imigração. 

Mas, ao contrário dos turistas, o primeiro passo dos recém-chegados foi dirigir-se à Comissão Nacional para os Refugiados e solicitar asilo político. Uma solicitação que significa automaticamente ter permissão para trabalhar. É impossível saber sua cor política, mas o fato é que 126 brasileiros concluíram esse procedimento no primeiro semestre deste ano, segundo dados do ACNUR (agência da ONU para refugiados)

São apoiantes do ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro e muitos foram condenados pelo Supremo Tribunal do Brasil a penas de pelo menos 14 anos de prisão pela sua participação na tentativa de golpe. 

Eles, no entanto, declaram-se inocentes e sustentam que são vítimas de perseguição política contra a oposição liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Vários concordaram em conversar com o EL PAÍS sobre os motivos da fuga e a vida que levam na Argentina.

Prestes a completar 62 anos, o brasileiro Carlos Antonio Silva aprendeu a fazer pão caseiro, donuts de coco e pão de queijo que vende para sobreviver na cidade de La Plata, 60 quilômetros ao sul de Buenos Aires. Ele é casado e tem dois filhos, mas não vê a família desde que fugiu do país, há seis meses. Em fevereiro, o mais alto tribunal o condenou a 16 anos de prisão em julgamento virtual pelo assalto ao Palácio do Planalto, sede presidencial.

 Este corretor de imóveis ouviu a sentença em sua casa, onde cumpria prisão domiciliar após ter passado sete meses preso. Foi considerado culpado de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, danos qualificados, deterioração do património protegido e associação criminosa armada. 

Às vésperas de a Polícia colocá-lo novamente atrás das grades para fazê-lo cumprir a pena, ele quebrou a tornozeleira eletrônica com a qual a Justiça monitorava seus passos e iniciou um voo que terminou na Argentina. Ele afirma que foi um dos primeiros a entrar, no dia 18 de março, e assim justifica a fuga: “Não fiz nada, nem quebrei um palito”. “Querem que paguemos por um crime que não cometemos, que nos colocaram nas costas só por causa das nossas ideias”, lamenta Silva em português na casa de outra das mulheres condenadas.

Essas ideias estão resumidas no lema de Bolsonaro: “Deus, pátria, família e liberdade”. Inclui considerar o aborto um crime que deve ser processado e punido, opor-se à legalização das drogas e eliminar a educação sexual obrigatória e abrangente nas escolas (a que chamam “ideologia de género”).

Lula venceu as eleições contra Bolsonaro em outubro de 2022 pelo mínimo: 51% a 49%. A sua vitória foi reconhecida por toda a comunidade internacional, mas não pelos opositores mais radicais, que alegaram fraude. Entre eles está Silva, mas alerta que isso não o torna um terrorista ou golpista. 

Ele conta que naquele domingo, uma semana após a posse de Lula, planejava participar de uma manifestação pacífica contra o novo presidente e não sabia que a situação sairia do controle. Ele repete a tese defendida pelo bolsonarismo desde o primeiro dia, de que a destruição foi obra de infiltrados e não de manifestantes como ele, que considera vítimas de uma armadilha. Evite responder quem. “Eles atiraram gás lacrimogêneo contra nós e, para nos proteger, entramos [na sede das] três potências. Não quebramos nada, ficamos dentro de casa rezando de joelhos pelo nosso país”, diz.

A história dos outros fugitivos entrevistados é semelhante. Jupira Silvana da Cruz Rodrigues, condenada a 14 anos pelos mesmos crimes de Silva, lembra que a Praça dos Três Poderes se tornou “um cenário de guerra” em questão de minutos. “[A tropa de choque] lançou muitas, muitas bombas [de gás lacrimogêneo] e havia helicópteros. Alguns polícias mandaram-nos entrar e refugiar-nos”, argumenta este brasileiro de 58 anos que tem a tutela de duas netas e de uma pessoa incapacitada por doença mental. Ela foi detida no Planalto e os investigadores encontraram suas impressões digitais em uma garrafa de água abandonada no estabelecimento.

Durante o julgamento de Rodrigues, a defesa pediu a sua absolvição por falta de provas de que tenha cometido actos de vandalismo. O juiz de instrução, Moraes, argumentou que “é irrelevante discriminar que bens os arguidos danificaram ou como confrontaram as forças de segurança, dado que, segundo as provas, os crimes foram cometidos por uma multidão e só poderiam ser consumados (…) por essa comunhão. 

Rodrigues, uma mulher paqueradora que veste um vestido verde para fotos antes de vestir o uniforme de cozinheira com que mais tarde irá trabalhar, sublinha: “Não tenho antecedentes criminais, nunca tive problemas com a polícia”. Ele quebrou a tornozeleira eletrônica com uma pequena serra e fugiu primeiro de ônibus para o Uruguai. Estava mais perto dele e “também tem um presidente de direita [Luis Lacalle Pou], acrescenta. “Mas o custo de vida era muito alto. O que ganhei não foi suficiente para mim. Se eu pagasse a acomodação naquele dia não conseguiria comer”, diz ele sobre os três meses que passou lá antes de tomar a decisão de cruzar novamente para outra fronteira.

Agora ela mora em La Plata, num modesto apartamento que divide com outros dois fugitivos unidos tanto pelo fanatismo político quanto pela fé evangélica. Os poucos móveis que possui foram feitos por outro “patriota” (como esses bolsonaristas se chamam) que passou alguns dias lá antes de ir para outro lugar.

Dizem que somos terroristas, mas nossas únicas armas são a bandeira do Brasil e a Bíblia”, diz Raquel Lopes de Sousa, 52 anos, na sala de jantar da casa onde mora em Buenos Aires.

Ele divide o aluguel com duas mulheres que conheceu na prisão: Rosana Maciel Gomes e Alethea Verusca Soares. A bandeira do Brasil decora uma das poltronas e uma cruz pende do pescoço de Sousa, na qual ele coloca as mãos de vez em quando enquanto conta como os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 deram uma guinada de 180 graus em sua vida. O Supremo Tribunal condenou De Sousa a 17 anos de prisão em Outubro passado. Em sua sentença, acessada pelo EL PAÍS, consta que “participou ativamente em conjunto com os demais na destruição dos móveis do Planalto. Todos gritaram palavras que demonstram a intenção de depor o Governo legitimamente constituído como 'Fora Lula' e 'Presidente ladrão'.

De Sousa mantém a versão que a sua defesa deu durante o julgamento: “Fiquei com medo e entrei à procura da minha irmã, que tinha perdido no meio do povo”. Ela conta que quando chegou o palácio já estava vandalizado e exige que lhe mostrem provas nas quais ela é vista confrontando a polícia ou quebrando alguma coisa. Ela garante que a única coisa que têm contra ela é um vídeo que obtiveram de seu próprio telefone, no qual ela gravou palavras de ordem contra Lula e o comunismo. “É isso que significa ser um terrorista?”, pergunta ele. “Nunca tinha ido a uma delegacia”, lamenta. Ele lembra que quando entrou na prisão, nos primeiros 15 dias não tinha roupa íntima além da que vestia e lavava-a à noite para poder usá-la no dia seguinte. Parece um detalhe menor quando ela relata mais tarde os problemas que as quase 500 mulheres presas naquele dia tiveram para receber medicamentos ou tratamento médico.

A Justiça brasileira suspeita que o assalto às sedes da Presidência, do Congresso e do Supremo não foi improvisado. Bolsonaro é acusado de tramar o golpe com vários generais e está proibido de sair do país, mas por enquanto não ficou no banco dos réus. 

Os suspeitos de encorajar, organizar e financiar o ataque também não foram julgados. Um deles é o pastor evangélico Symon Filipe de Castro Albino, 33 anos, mais conhecido como Symon Patriota. A Justiça o acusa de 16 acusações que podem levar a uma pena de prisão de até 30 anos, mas nunca conseguiram descobrir seu paradeiro. Ele evitou a polícia primeiro no Brasil e há alguns meses seguiu os passos dos condenados que buscaram refúgio na Argentina. 

Por meio de videochamada, De Castro Albino relembra a noite eleitoral que deu a Lula o terceiro mandato. Bolsonaro vinha levantando o espectro da fraude há meses e a mensagem repercutiu em seus seguidores. “Nós, da direita, não acreditávamos na vitória de Lula. Ficamos 65 dias em frente ao quartel [do Exército], pedindo que o Exército interviesse para que Lula mostrasse as urnas e comprovasse que venceu. Queríamos que nos mostrassem as atas”, explica em espanhol salpicado de palavras em português. A mobilização inicial foi massiva em diversas cidades, mas com o passar das semanas começou a perder força e decidiu-se realizar uma grande manifestação em Brasília após a posse de Lula para dar visibilidade à reivindicação.

Este pastor viajou de São Paulo a Brasília no dia 5 de janeiro e, com megafone na mão, incentivou os bolsonaristas que se juntavam a participar de uma “grande marcha pela liberdade”. Isso começou conforme planejado no dia 8, mas ele conta que quando chegaram em frente à sede oficial “foi um caos e muita gente ficou apavorada”. Milhares de pessoas entraram nos prédios, mas não foi o caso delas, diz ele. “Não entrei porque estava gravando uma live para o Instagram”, lembra. Quando as prisões começaram, ele já havia fugido. 

Ele decidiu cruzar para a Argentina pelo presidente Milei, que assumiu o poder no final de 2023. “Quando Milei vencer é a nossa esperança porque ele é de direita, porque é amigo de Bolsonaro e porque temos a esperança de que podemos ser recebidos como refugiados políticos”, afirma este pai de quatro filhos que já apresentou toda a documentação exigida pela Comissão Nacional para Refugiados da Argentina (CoNaRe).

Um total de 126 brasileiros solicitaram asilo na Argentina no primeiro semestre deste ano, segundo dados oficiais do ACNUR, número que o coloca como o oitavo país com mais pedidos. 

Todo solicitante de asilo na Argentina recebe uma autorização de residência temporária que o autoriza a trabalhar enquanto seu processo é resolvido. Não há prazo para as autoridades aceitarem ou negarem asilo, mas com as portas do emprego abertas e um Governo que gosta das suas ideias, não têm pressa. 

“Estamos aguardando o delegado do CoNaRe nos chamar para fazer uma entrevista e depois um juiz vai nos ligar. Aqui eles vão analisar nosso caso um por um, individualmente. No Brasil nos julgaram todos juntos pela mesma coisa”, compara De Castro Albino. 

Outros 40 brasileiros solicitaram asilo no Paraguai em um ano, segundo o ACNUR. 

O Governo Lula solicitou formalmente às autoridades argentinas informações sobre o paradeiro de 143 brasileiros foragidos. Quem solicitou asilo sabe que, enquanto o processo estiver aberto, a sua extradição não será possível. De qualquer forma, as autoridades brasileiras não formalizaram nenhum pedido por enquanto, segundo o Itamaraty.

Os julgamentos da tentativa de golpe de Estado no Brasil começaram com as tropas, com os acusados ​​de vandalizar os prédios. Todos seguiram o mesmo padrão, pelo menos dez anos de prisão. Entre os poucos absolvidos, um morador de rua que passou 11 meses em prisão preventiva. 

Os juízes do Supremo Tribunal Federal, que investiga e julga o ataque a Brasília, condenaram até agora 227 pessoas. Tanto Lopes de Sousa como as suas colegas de quarto discordam da versão judicial. Consideram que não se tratou de uma tentativa de golpe de Estado, mas sim de um plano do novo Governo para intimidar uma oposição que se manifestava há mais de dois meses em frente aos quartéis de todo o país. 

Enfatizam, sem provas, que o poder no Brasil não está nas mãos de Lula, mas de Moraes, a quem definem como “um ditador que impede a liberdade de expressão”. Como exemplo, citam o bloqueio de suas contas nas redes sociais e o fechamento do X (antigo Twitter) ordenado por Moraes poucas semanas antes das eleições municipais. O juiz tomou essa decisão devido à recusa de Elon Musk em bloquear diversos perfis da órbita de Bolsonaro e por considerar que há “um risco iminente” de que “grupos extremistas e milícias digitais continuem e ampliem a instrumentalização do X Brasil com a disseminação massiva de discursos nazistas”. , racistas, fascistas, odiosos e antidemocráticos.”

Onde o sistema judicial vê discursos extremistas e desinformação, vê um dos poucos canais onde “a verdade é dita”. O que mais gostam em morar na Argentina “é poder voltar a se expressar sem medo”, nas palavras de Maciel Gomes. “Na Argentina nos sentimos seguros”, enfatiza. No dia 7 de setembro, cerca de 40 apoiadores de Bolsonaro manifestaram-se no Obelisco de Buenos Aires por ocasião do Dia da Independência do Brasil. Eles exibiram bandeiras, Bíblias e faixas onde se lia “Fora Lula” enquanto gritavam “justiça” e “Deus, pátria, família e liberdade” diante de transeuntes que tiravam fotos deles e perguntavam quem eram. Esta concentração tem sido até agora a prova mais clara das redes que os fugitivos teceram na Argentina de Milei. Outros quiseram participar, mas não puderam, porque foram morar em províncias muito distantes, como Misiones e Río Negro. 

Eles compartilham informações sobre os processos no Brasil e a vida que estão iniciando na Argentina e são impedidos pela impossibilidade de retornar porque seriam presos instantaneamente. 

As redes não são apenas internas, mas viver na Argentina abriu as portas para a comunidade global de extrema direita. Maciel Gomes, Verusca Soares e Lopes de Sousa marcaram presença no Fórum Madrid - Buenos Aires liderado por Milei e pelo líder do Vox, o espanhol Santiago Abascal, na capital argentina. “A Milei tem razão, estamos a travar uma guerra cultural e a direita não vai desistir”, alerta Verusca Soares.

El País

Viver é Perigoso

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito cumprido!!
Acho melhor esperar sair o filme.

Anônimo disse...

Melhor ir pra Venezuela, Cuba.
Kkkkkkkk

Anônimo disse...

Melhor ir pra Venezuela, Cuba.
Kkkkkkkk