Depois de 40 anos, os dois colegas de faculdade se encontram, por acaso, em um botequim na Vila Madalena.
— Pô, Bigode, nunca mais vi ninguém da nossa turma. Palhinha, Zunga, Cleusa, Rosimeire, Mousinho Hippie.
— Ataíde, você não vai acreditar: o Mousinho virou gado.
— Sério?
— Rezando pra pneu todo dia.
— Mano! O que sentava do lado dele, era o…
— Laudenir. Agora é estudioso da Bíblia.
— Rapaz, que coisa! O cara era procurado pelo DOPS!
— Eu me espantei foi com a Leda.
— Leda de Luxemburgo, a Vermelha?
— Essa mesma. Pois não virou secretária-geral do PL em Brasília…
— Mentira!
— Tinha o Manu Larica na nossa classe também, te recorda da figura?
— Claro! Sentava no fundão, vivia doidaço.
— Esse se deu bem na vida.
— Ah, é?
— Fundou uma igreja em Caldas Novas e faz exorcismo. Tem até jatinho.
— Na real, quem eu achava que ia ser dar bem era o Fabião, cara centrado.
— Fábio agora faz live todo domingo à noite ensinando como fritar coxinha e combater o comunismo ao mesmo tempo.
— Bizarro demais!
— E lembra da Djanira? Uma que fazia poesia concreta com papel higiênico?
— E recitava no Bandejão.
— Ela! Desde 2022 escreve horóscopo personalizado pra peixe beta. Tem mais de quinhentos mil seguidores no Insta.
— Isso é real?
— Pior que é, velho. Ela diz que o ascendente influencia a cor das escamas. E a cor das escamas, o ascendente.
— Espera: e o Edmílson?
— Que Edmílson?
— Aquele que falava em terceira pessoa. “Edmílson não concorda”, “Edmílson vai ao banheiro” …
— Virou ventríloquo.
— Olha aí! Pelo menos um seguiu o dom.
— Só que ele se apresenta sozinho. Fica no palco discutindo com a própria mão.
— Putz!
— Pode acreditar.
— Me veio agora na cabeça o Accioly, sabe? Usava boina até na praia.
— Virou instrutor de parkour para idoso. Lançou um podcast no Spotify chamado “Caia, frature, mas com estilo”.
— Devia passar na TV Senado, isso sim. Tem visto o Japurá?
— O que só andava de poncho?
— Isso! Sumiu geral, hein?
— Sumiu nada. Olha ele ali!
— O quê?!
— É. Tá bem atrás de você, disfarçado de banqueta.
— COMO ASSIM?
— Ele faz performance em bar. Diz que é arte viva: “o mobiliário marginalizado”.
— Ei, Japurá!!!
— Psiu! Banqueta não fala. Assim, você atrapalha o ganha pão do colega.
— Meu Deus… esse boteco tá parecendo reunião de criação do Cirque du Soleil.
— Bora pedir outra rodada?
— Melhor. Vai que a garçonete é a Zuleide, a ex-musa da Semana da Consciência Marxista.
— Se fosse ela, cada chope viria com um biscoitinho da sorte.
— Criativo.
— E dentro teria um versículo.
— Fazer o quê? Saúde!
— À nossa turma! E ao milagre de nós dois não termos virado estudo de caso.
Carlos Castelo
Viver é Perigoso